O Comediante

O Comediante - Ator Criador

Num domingo de verão quente, um espetáculo de idosos desde o palco até a última cadeira da plateia. O espaço “Teatro Raul Cortez” impressiona pela magnitude das dimensões. As cortinas se abrem com um som bem familiar. É a voz de barítono do velho ator Ary Fontoura, numa belíssima afinação, rara nas escolas de dramaturgia atuais. Os velhinhos ao meu redor parecem acompanhar cada nota com especial atenção, espremendo nos lábios um sorriso ansioso. Mas nem bem me acostumo com o timbre do personagem e um desagradável contraste sonoro aparece; a melodia de “Carinhoso” é interrompida pelas falas monocórdias de um ator bem mais novo.

Demoro a entender o que está acontecendo no palco, e sinto-me culpado por minha incapacidade de encontrar beleza naquele momento. Dali, onde estou, começo a me perder em um enredo histérico de atuações que me parecem inconstantes. Queria ser como um desses respeitáveis senhores que me cercam. Com suas companheiras septuagenárias, não julgam, aparentemente satisfeitos com uma magia que desconheço, não tenho a sensibilidade de absorvê-la.

Volto ao palco, onde começa uma história relacionada a um antigo ator vivendo da ilusão de que ainda é uma estrela, farsa mantida pelas artimanhas de seus funcionários domésticos. Uma mordoma estridente, de frases tão clichês quanto seus gestos artificiais (é a vilã, claro). O outro, o empresário artístico, trouxe pelo braço uma repórter, mas não diz a que vieram. Os nomes “Rede Globo”, “Projac” e de alguns outros atores famosos da dramaturgia noturna de TV aparecem com frequência. Ora provocam risos tímidos, ora um silêncio constrangedor. A repórter, personagem com potencial para ser o elemento de virada entre a monotonia e a revelação, parece sentir o mesmo embaraço que eu. Está abandonada num texto sem cadência, lançada entre lapsos e pontas desamarradas. Trejeitos confusos. Há um beijo e um tiro.

Tento não ser o óbvio mau humorado. Talvez meu dia não tenha sido os melhores e descarrego minhas frustrações na pobre peça. Poder ser um espetáculo que celebra a tradição latino-americana das novelas exageradas. Torço para que seja isso. As caretas, os plots inocentes, a rocambolesca paixão impossível. Ary Fontoura se esforça, mas não é o bastante para fazer da montagem algo significativo. Vale pela experiência de ver em cena uma escola de atores que se perdeu no tempo de dicção impecável e atuação imponente.

Mas infelizmente, não. Não celebram coisa alguma. Nem novelas, nem cinema. O autor Joseph Meyer (não se enganem com o nome, ele é brasileiro) diz ter escrito o texto inspirado no filme “O crepúsculo dos Deuses”, de Billy Wilder (festejado diretor da década de 50 que elaborou um método de comédias com gags rápidas em cenas apressadas). Pretenso. Longo. Monotóno.

Mas não me leve a sério. Como disse, os idosos estavam satisfeitos.

Roger Franchini
Roger Franchini é escritor, autor dos livros 'Ponto Quarenta', "Toupeira - a história do assalto ao Banco Central', 'Richthofen - o assassinato dos pais de Suzane', 'Amor Esquartejado' e 'Matar Alguém".

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