Impressões sobre Como Água que Sobre Água Corresse…

Como Água que Sobre a Água Corresse... |Ator Criador

E se a mítica Sherazade batesse à sua porta em uma noite dessas qualquer? Aquela mesma dos contos de As Mil e Uma Noites que encantou o Rei Shariar e evitou a própria morte por causa do seu talento para entreter o monarca. Claro que é sonhar demais com a visita da mais famosa das contadoras de histórias, mas nem tudo está perdido e você pode bater à porta (digo, comprar uma entrada) no aconchegante espaço Armazém Cultural para assistir o monólogo Como Água que Sobre a Água Corresse… com a atriz Silvia Suzy.

Com um cenário que tenta reproduzir o ambiente de um palácio do antigo Oriente Médio e uma iluminação intimista, o espetáculo “Como Água que Sobre Água Corresse…” é uma contação de histórias onde Eros impera. São contos interpretados com esmero por Silvia como se fossem parte de um fio que veio de um novelo infindo e que, ao serem partilhados por ela, passam a pertencer a imaginação dos espectadores.

“Como Água que Sobre Água Corresse…” tem entre seus contos a história de como Sherazade encantou o Rei Shariar a ponto de fazê-lo esquecer de sua dor e de seu desejo de vingança, já que ele matava uma mulher a cada manhã depois de passar a noite com ela, para vingar-se de uma suposta traição de sua esposa com um de seus servos. Este conto serve para nos lembrar que palavras são poderosas quando costuradas de forma correta para tornarem-se histórias que encantam. Aliás, é isso que Silvia faz com a costura das histórias que escolheu para brindar o seu público, criando uma sinergia entre as narrativas escolhidas para o espetáculo.

Sem dúvida, o ápice da peça acontece com a última parte do monólogo quando Silvia interpreta trechos do livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo (Companhia das Letras) de autoria do mestre José Saramago. Para além da polêmica que Saramago causou ao contar uma cena imaginária sobre a primeira noite de amor entre um Jesus trintão virgem e a experiente prostituta Maria Madalena, a leitura do livro é uma dessas que deveria ser obrigatória por sua beleza (Saramago era um alfaiate da língua portuguesa). Silvia consegue transmitir toda a atmosfera da primeira noite de um homem, ainda mais quando este homem tem mais de trinta anos e sente-se frágil para o aquele momento. É lindo ver como ela atua nesta cena com respeito e comedimento e utiliza a água como uma metáfora de um momento batismal para este acontecimento na vida do Jesus saramaguiano. A reprodução dos pingos da chuva, a toalha escorrendo pelo corpo a ponto de fazer com que os espectadores imaginem-se naquele lugar e a preparação de Madalena com o banho que antecede o ato sexual. Tudo é feito no tempo certo. Cada gesto e cada palavra pronunciada por Silva levam o espectador a sentir aquele momento de angústia prazerosa, medo, desejo e expectativa tão comuns nas primeiras noites de um casal.

Batam à porta de Sherazade/Silvia e deixem-se enrolar por este fio de prazer que é ser conduzido por uma (ou mais) bela história. Afinal, não é de histórias que é feita a doce matéria da vida?

Peça: Como Água que Sobre a Água Corresse…
Criação e interpretação: Silvia Suzy
Adaptação e Construção dramatúrgica: Silvia Suzy
Direção: Arthur Miranda

Temporada: 03 de março a 06 de maio – terças e quartas
Horário: às 20h
Ingressos: R$ 30,00 e R$ 15,00 (meia)
Local: Armazém Cultural SP – Rua dos Cariris, 48, Pinheiros – próximo ao Metrô Faria Lima
Telefone: (11) 2729-5137
Sitehttp://www.armazemculturalsp.com.br
Duração: 50 minutos
Classificação Indicativa: 16 anos

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Flávio José Rocha trabalha com Teatro do Oprimido desde de 2005 e é um apaixonado por todas as formas do fazer teatral. É também doutorando em Ciências Sociais na PUC-SP e pesquisa temas relacionados à questão socioambiental.

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