É sempre um desejo meu entrar pelas portas do fundo, e minha vontade aqui é tentar olhar o teatro por algum ângulo que me deixe confuso, que me obrigue a encará-lo como se dele eu nada entendesse (afinal, tudo o que se sabe é sempre muito pouco).
Não falar sobre teatro, isso já temos aos montes, mas tentar falar com o teatro, sempre um tanto incerto – dar a ler o teatro. E o que quero dizer com isso? Precisarei fazer das palavras de outro as minhas palavras para tentar me explicar:
“Para que as palavras durem dizendo cada vez coisas distintas, para que uma eternidade sem consolo abra o intervalo entre cada um de seus passos, para que o devir do que é o mesmo seja, em sua volta ao começo, de uma riqueza infinita, para que o porvir seja lido como o que nunca foi escrito… há que se dar as palavras que recebemos.
(…) Por isso dar a ler exige devolver às palavras essa ilegibilidade que lhes é própria e que perderam, ao se inserirem demasiado comodamente em nosso sentido comum. Para dar a ler é preciso esse gesto às vezes violento de problematizar o evidente, de converter em desconhecido o demasiado conhecido, de devolver certa obscuridade ao que parece claro, de abrir uma certa ilegibilidade no que é demasiado legível.”
(LARROSA, Jorge. Dar a ler in: Linguagem e Educação depois de Babel. Editora Autêntica. Pg.15-16. 2004)
Para que o teatro dure dizendo cada vez coisas distintas. Para devolver uma ilegibilidade ao teatro. Estes são os desafios que pretendo me propor neste espaço, problematizar o evidente.
Desejo também escapar o máximo possível de qualquer espécie de qualificação, não estou em uma posição em que eu possa (ou deva) dizer o que é que deve ou não deve ser visto, ou o que pode (ou deve) ou não ser feito em um palco (ou qualquer outro espaço alternativo).
Espero que com isso não dê a entender que estou me eximindo de assumir aqui alguma posição frente ao que vejo. Muito pelo contrário, esse posicionamento sempre nascerá de uma conversa direta com aquilo que é visto, tentando sempre utilizar o vocabulário específico de toda e qualquer manifestação cênica, pois, se mais acima eu criei uma relação direta entre teatro e palavra, é porque acredito que o teatro é algo que deve ser lido, e para se aprender a ler é preciso reconhecer o seu vocabulário.
Não estou chamando de vocabulário algum conjunto de técnicas, ou correntes estéticas, ou materiais de cena. O que talvez eu chame de vocabulário seja algo um tanto obscuro, mas não por isso menos concreto ou objetivo – é a reunião de tudo (técnica e correntes estéticas e materiais de cena) mais as escolhas e a própria manifestação efêmera de um evento teatral. Sua ação e o seu contexto, seu desejo e o mundo em torno dele, as escolhas e o que elas dizem.
Claro que este é também um espaço para também eu aprender este vocabulário enquanto escrevo, então, por isso, não estou salvo do erro. Pelo contrário, busco para que as coisas não morram após o ponto final, e que possam seguir falando sempre e às vezes, como no teatro, é preciso falhar. Para se falar de/sobre/com o teatro é preciso sempre criar junto com ele.
Este texto é uma breve inauguração, é um dizer o que estou fazendo aqui e é também a tentativa de se criar um espaço de diálogo, para seguirmos conversando e criando e meditando juntos, estando perto.
Espero que seja uma boa troca.
Agradeço pelo convite.