O Sonho de Um Sonho de uma Noite de Verão

Ilustração da peça "Sonho de uma Noite de Verão"

A primeira vez que li a peça “Sonho de Uma Noite de Verão” (do original “A Midsummer Night’s Dream”), de Willian Shakespeare, eu tinha 14 anos. Lembro-me muito bem da leitura solicitada pela professora de português, uma de minhas primeiras arrebatadoras paixões.

Até mesmo por apaixonar-me pela professora, nota-se que eu nada entendia do amor naquela época – em qualquer de suas concepções. Mas, desde aquela primeira paixão pueril, já sofri inúmeras desventuras amorosas, em diversos campos da vida. Se isso não me confere qualquer título nem me habilita a entender o amor, ao menos me ajuda – em raras oportunidades – a reconhecê-lo. E eu o reconheci em uma simples montagem de “Sonho de Uma Noite de Verão”, a que tive a oportunidade de assistir, em plena sexta-feira de copa do mundo.

No enredo da peça há elfos, fadas, artesãos, confusões, armadilhas, aventuras desventuradas e amores desencontrados, tudo sob um clima de erotismo, brincadeiras com a vida e com a morte e uma mistura de real e ilusório. Aliás, há excelentes traduções para o português e a leitura é recomendada. Um pouco do histórico das grandes montagens brasileiras dessa peça, que repetidamente ganha novas adaptações mundo afora, também pode ser visto na Enciclopédia Itaú Cultural de Teatro.

De toda forma, apesar das sempiternas montagens que surgem aqui e acolá, a que me despertou atenção e me impactou de maneira muito mais forte do que a leitura solicitada pela professora de português foi encenada em uma pequena sala de teatro escola, na Rua Adolfo Gordo, Barra Funda.

Paco Abreu, professor do Teatro Escola Macunaíma, da Escola de Atores Wolf Maya, do Instituto de Artes da UNESP, mestre pela Escola de Comunicações e Artes da USP – ECA, ator e diretor com um vasto currículo e não menor entusiasmo e humildade, foi o diretor – ou ainda melhor, “professor de análise ativa” – daquela turma de Preparação de Atores 3 do Macu (como chamam os íntimos do Macunaíma). Antes do espetáculo começar, ele faz dois alertas: “não serão toleradas entradas após o início do espetáculo” e “trata-se de um grupo de estudantes, que muito se esforçaram para realizar o espetáculo que ora se apresenta”. O primeiro alerta, para instrução do público presente; o segundo, por respeito aos atores, à plateia e a si mesmo – pois não obstante sua enorme experiência, Paco se doa exaustivamente em todos os seus trabalhos.

Quem assiste à peça deve receber esses alertas de peito aberto, especialmente o segundo, reconhecendo o valor e o empenho daqueles bravos aspirantes, que em sua maioria transpiram vividamente o amor pelo teatro. Consciente dos alertas, sob um clima de ilusão e sonho, afirmo que o amor aflorava naquela sala.

Não havia atores profissionais em cena – ainda que um ou outro possuísse o famigerado “DRT” – o registro profissional de atores. As atuações não eram perfeitas, nem se devia esperar isso de um grupo de estudantes. O texto foi modificado, foram feitas adaptações para inclusão de alunos e a técnica estava em evidente fase de evolução. Talvez justamente por erras razões o sonho de uma noite de verão tenha sido sonhado – e realizado.

Lembrei-me do amor ingênuo que sentia pela professora de português, e depois pela leitura, e depois pelas pessoas com quem aprendi e sofri vida afora. O espetáculo fez-me relembrar do amor meu pelo teatro, que andava em conflito com os outros afazeres, e me fez torcer para que os seus verdadeiros amantes conservem essa paixão juvenil e pura pela nobre arte, que na sua inocência traz consigo muitas desilusões, mas também muitas risadas, grandes aprendizados e inúmeros prazeres.

Estou certo de que aqueles alunos, que transluziam a vontade de estar em um palco e suavam seus esforços semestrais, encontraram no duro processo de montagem inúmeros sonhos. Também sonharam aqueles que presenciaram a apresentação os viram sonhar.

Apresentações de outras turmas de estudantes, como aquela de “Sonho de Uma Noite de Verão”, serão feitas diariamente até o dia 21 de julho, quando então se encerra a 80ª mostra de teatro do Macunaíma. Nessas mostras, os estudantes têm a oportunidade de apresentar o trabalho desenvolvido ao longo do semestre a um público formado por professores, amigos, estudantes, Atores Criadores e curiosos. Verdadeiras preciosidades podem ser encontradas.

Leo Bianco
Leo Bianco é advogado e ator amador. É idealizador e editor do site Ator Criador.

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