Parece até mesquinho e burocrático dizer que antes toda criação estética e conceitual de uma peça; ou de toda concepção de cenário figurino, iluminação ou direção, um produtor/ator/diretor deva se preocupar com os aspectos práticos relativos aos direitos autorais. Mas, já que optamos pela Revolução da Imprensa, devo dizer: é isso aí, meu povo.
Primeiramente, como boa jurista, começo pelas penalidades. A reprodução não permitida é tipificada como crime no artigo 184 do Código Penal e rende pena de detenção de 3 meses a 1 ano, ou multa, além de perdas e danos na esfera cível.
Para compreender a seriedade do assunto, no ano passado, o produtor JC Rocco foi condenado, em primeira instância, a pagar 100% da bilheteria obtida na temporada da peça “Peppa Pig e o Porquinho do Mau”, apesar de ter registrado a adaptação do desenho na Biblioteca Nacional.
Isso porque a lei que regula os direitos autorais (Lei 9.610/1998) prevê expressamente em seu artigo 29 a necessidade de autorização prévia do autor para utilização de uma obra. Não interessa qual seja a natureza da obra: se original ou derivada (como as traduções, as compilações, as antologias, os resumos); se escrita ou de comunicação oral (como o teatro, a palestra, a música, mesmo a dança), se demonstrar função estética e originalidade, a obra será protegida desde a sua criação pelos direitos autorais.
No teatro, sinto dizer, o assunto é ainda mais complexo. A proteção dos direitos autorais pode não contemplar somente o texto escrito pelo dramaturgo, mas, também, a montagem realizada pelo produtor e pelo diretor. É só pensar em uma peça da Broadway: os cenários, figurinos, trilha sonora, tudo compõe a ideia de um produtor ou de um diretor em relação a uma peça. Mas, é importante ressaltar que não temos ainda critério claro e único a respeito dos direitos autorais sobre as montagens. O que se protege é um projeto de pesquisa? Uma encenação? Uma ideia? Na verdade, boa parte das vezes as decisões judicias vão depender de cada caso.
Outro engano recorrente é se pensar que toda utilização de um “pequeno trecho” de uma obra não requer autorização prévia do autor, nem pagamento de royalties. A peça Macht und Rebel (Poder e Rebeldia), de Matias Faldbakken, montada por Schorsch Kamerun, só continha algumas frases do texto original, no entanto pagava os royalties como se fosse uma reprodução integral. Sendo uma adaptação, considera-se que o centro dessa montagem seria a ideia original. Seria como montar Hamlet só com mulheres, por exemplo. Por mais que a montagem seja única, a ideia central é ainda shakespeariana.
A lei também estipula no seu artigo 46, os casos específicos onde não será necessário requerer autorização, como em apresentações familiares ou escolares. Mas, até hoje, as melhores pistas para se saber quando não se deve pedir autorização prévia se encontra nos tratados internacionais, mais especificamente no artigo 9.2 da Convenção de Berna e no artigo 13 do Acordo TRIPS, que preveem as três máximas: a) é um caso especial; b) não conflita com a exploração comercial da obra; e c) não causa prejuízo ao autor.
Caso esteja iniciando uma peça e precise de um modelo de autorização prévia, o Ministério da Cultura está aí para te oferecer de graça no site http://www.cultura.gov.br/.
*Lembra só que esse texto não dispensa a consulta do um advogado, que são pessoas úteis (menos em um apocalipse zumbi, não teríamos nada para fazer ali).