Proac-SP, Lei Rouanet, Lei do Audiovisual, Lei Mendonça… certamente você já ouviu falar de algum desses mecanismos de incentivos fiscais à cultura (ou “mecanismos de fomento à cultura”).
Independentemente de posicionamento político, partidário ou ideológico, é forçoso admitir que esses programas desempenham importante papel no cenário brasileiro das artes. Boa parte da produção nacional apenas chega à luz do dia por causa da famigerada “renúncia fiscal”, praticada pelo Estado em prol da cultura.
Os mais questionadores perguntariam: mas esses mecanismos não significam um desfalque aos cofres públicos, permitindo a “farra dos incentivos”?
A resposta não é evidente.
Vale lembrar que, de forma bem simplista, o caminho natural é: (a) o cidadão recolhe seus impostos aos cofres públicos; e, na sequência, (b) o Estado define sua destinação.
Nos casos da renúncia fiscal voltada a projetos culturais, ainda de forma simplista, o caminho é: (a) o cidadão recolhe os seus impostos; e, (b) o dinheiro não vai diretamente aos cofres públicos, mas às ações culturais escolhidas pelo próprio cidadão.
Talvez o termo “renúncia fiscal” não seja o mais apropriado a esses casos, pois parte do dinheiro desses impostos deveria ser, cedo ou tarde, destinado à cultura. Apenas evita-se uma longa caminhada até que ele chegue aos projetos culturais escolhidos pelo próprio cidadão. Evita-se, inclusive, que ele se perca no caminho.
Se pensarmos que o Estado, por meio desses mecanismos, garante ao cidadão-contribuinte o direito escolher a destinação de parte dos tributos que recolhe, é possível afirmar que não há prejuízo ou diminuição de receita. Na verdade, o que ocorre é até mesmo uma maior transparência do uso do dinheiro público. É diferente de quando o Estado simplesmente “deixa de recolher” impostos ao diminuir o IPI dos automóveis, para estimular a produção e venda pelas montadoras.
Um dos principais objetivos desses mecanismos é permitir ao cidadão participar e decidir como será aplicada parte dos seus tributos.
Evidente que essa “liberdade” não é plena, e esse é um dos principais argumentos dos críticos. Diversos regulamentos preveem, por exemplo, uma prévia aprovação por integrantes indicados pelo governo. Eles teriam o poder de definir quais projetos são “dignos” de receber os incentivos. Os projetos submetidos à Lei Rouanet, por exemplo, devem ser previamente aprovados pelo Ministério da Cultura (Minc), e apenas após essa aprovação que se autoriza a captação de recursos na iniciativa privada.
Pode-se afirmar, assim, que o Estado mantém relativo poder de direcionar os incentivos. Embora se proíba a apreciação subjetiva quanto ao valor artístico ou cultural, seria poliano imaginar que não exista influência ideológico-político-partidário nessa definição.
Mas os mecanismos são, por isso, imprestáveis? Longe disso. São de extrema importância para o desenvolvimento e disseminação da cultura nacional. Não se pode desprezar os avanços que eles trouxeram e a quantidade de excelentes projetos contemplados. Erros? Sim, há. Mas isso não deve motivar descrenças ou críticas exacerbadas aos mecanismos. Deve-se, de maneira mais consciente, buscar aprimorá-los.
Em entrevista à Valor Econômico, o sociólogo Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo há 32 anos, disse de maneira muito apropriada que:
“a Lei Rouanet consolidou uma parceria que precisa ser bem calibrada. Há aspectos positivos, mas há uma necessidade de lidar com eles para que prevaleça o interesse público, mecanismos para atender a esse interesse. Não podemos acabar com a Lei Rouanet simplesmente porque, em alguns casos, ela não foi usada. Não podemos combater a lei só porque em algum momento, algum bandido se apropriou dela. Isso é caso de polícia e não motivo para terminar com uma lei.”
Além do mais, não fosse pelos programas de incentivos, quantos se disporiam, espontaneamente, a tirar dinheiro do próprio bolso para patrocinar projetos culturais? Lamentavelmente, defender que “artista não precisa de incentivo” ou menosprezar o papel da cultura na formação de nossa sociedade demonstra, contundentemente, que precisamos com urgência de mais cultura e educação.