Uma das melhores coisas ao escrever as minhas impressões sobre os espetáculos que assisto para o site Ator Criador, é poder refletir com mais afinco sobre a relação do que vejo no palco com a realidade que me circunda. Por exemplo, apenas quatro cientistas brasileiros estão entre os mais citados em artigos no mundo da ciência, segundo matéria publicada no jornal Folha de São Paulo (Caderno Ciência+Saúde, 15/09/2004). O que tem esta notícia a ver com a peça A Dança do Universo que tive a oportunidade de ver no último dia 13 de setembro?
Primeiro, não é comum termos espetáculos teatrais tratando de cientistas. Muito menos ainda se eles são cientistas brasileiros, como o faz a peça em questão. Em um país que teima em não valorizar os trabalhadores do campo científico (a maior universidade do país, a USP, está em greve há mais de 100 dias) e os cientistas são vistos ou retratados como seres de outros planetas, é um fato maravilhoso que o Núcleo Arte Ciência no Palco apresente ao público de São Paulo este espetáculo.
A Dança do Universo faz parte da ocupação do Teatro de Arena Eugênio Kusnet, aquele pequeno e aconchegante espaço que entrou para a história da dramaturgia brasileira pela revolução que provocou nos anos cinquenta e sessenta na maneira de se fazer teatro no Brasil. Além de A Dança do Universo, o espectador também poderá conhecer a história de Albert Einstein e o espetáculo infantil No Mundo de Arthur.
Mas voltemos a peça A Dança do Universo, inspirada no livro homônimo do físico Marcelo Gleiser e com texto e músicas de Oswaldo Mendes. Não vá o espectador ou espectadora ao Teatro de Arena temendo uma aula monótona sobre a nova cosmologia, a expansão do universo ou algo deste campo. O espetáculo trata mesmo é de alguns cientistas. Figuras como Galileu, kepler, Einstien, entre outros. É sobre a humanidade destes homens com seus sonhos, valores, teimosias, invejas, competições, vitórias e derrotas que se debruça o espetáculo. É comum sabermos apenas alguns detalhes de suas histórias, mas estes cientistas eram humanos e, como tais, tiveram que lidar com todos os limites da vida como qualquer outra pessoa, apesar de serem gênios em suas áreas. A peça não trata de nenhuma mulher cientista, infelizmente, mas parece-me que há algo saindo do forno do Núcleo Arte Ciência no Palco sobre esta temática.
A encenação também trata da velha peleja entre ciência e religião, já que a segunda emperrou o avanço da primeira ou a controlou por séculos. Infelizmente, a própria ciência está se tornando uma portadora de verdades como se fosse uma nova religião, como pode ser visto no diálogo de alguns dos personagens de A Dança do Universo.
A cena em que Einstein e Charles Chaplin dialogam destoa um pouco do restante do espetáculo. A ideia de mostrar como ciência e arte dependem da criatividade é boa, mas poderia ser abordada de uma outra forma (por exemplo, como algumas invenções foram criadas). Também senti falta da citação para o fato que o Brasil foi relevante para a coroação de Einstein como grande cientista. É que foi em Sobral, no Ceará, que a Teoria da Relatividade Geral foi confirmada, durante um eclipse solar, em 1919. Imagino que este tema é abordado no espetáculo dirigido unicamente a este cientista, também encenado pelo Núcleo Arte Ciência no Palco.
O melhor momento do espetáculo é a cena que conta a vida do cientista brasileiro Mário Schenberg. Se você nunca ouviu falar dele, não se assuste. Até ver A Dança do Universo eu nada sabia sobre este físico pernambucano que ainda hoje é um dos mais citados cientistas brasileiros no exterior, em seu campo de pesquisa, e um dos fundadores do Instituto de Física da USP. Pelo fato de ser comunista, foi expulso daquela universidade e chegou a ser preso algumas vezes. Além de grande físico, Schenberg também era crítico de arte. A atuação de Oswaldo Mendes para este personagem revela o caráter multifacetado deste homem ainda tão desconhecido fora das hostes do campo acadêmico. Por si só, saber um pouco da história de Schenberg já merece ir ver A Dança do Universo.
Texto e músicas: Oswaldo Mendes
Direção: Soledad Yonge
Atuação: Oswaldo Mendes, Adriana Dham, Carlos Paula e outros.
Onde: Teatro de Arena Eugênio Kusnet
Endereço: Rua Dr. Teodoro Baima, 94 – República
Quando: Sex. e Sáb. 21hs; Dom. 19hs. Até o dia 16/11/2014
Quanto: R$20 (R$ 10 estudantes)
Guh. Camargo
7 de outubro de 2014 em 5:15 pm
Olá Fávio!
Sou o Gustavo, nos conhecemos na fila do “Homem de la Mancha”.
Obrigado pela indicação do site, adorei!
Parabéns pelo texto 😉