Ainda conservo aquele mesmo vinil de capa vermelha que ouvia durante as tardes de depois da escola. Minha mãe guardara no móvel que suportava a vitrola algumas pérolas da música, e a aguçada curiosidade infantil me levou a prová-las todas. Esse disco me encantava especialmente.
Carmen, de Georges Bizet. Talvez pelo nome particular e sonoro, talvez pela chamativa capa vermelha, talvez pelo encarte, certamente pela força da música que ressoava por todo o pequeno apartamento em que morávamos.
À época, eu não entendia uma palavra de francês. Não precisava. Aquela música era tão forte que me fazia sentir como se entendesse. Eu entendia. Eu era automaticamente levado a um mundo de toureiros, de ciganos, de lutas e de amores. Eu ouvia “Toureador” e queria ser um toureiro. Ainda hoje, quando ouço o mesmo vinil de capa vermelha ou quando procuro interpretações pelo Youtube afora, sonho em ser toureiro e me deixar apaixonar por uma cigana rebelde.
Maria Callas, Victoria de Los Ángeles e Anna Caterina Antonacci já deram lindas vidas àquela insolente cigana, essa personagem sem amarras e livre, capaz de aprisionar o coração de qualquer um ao bradar que “l’amour est un oiseau rebelle, que nul ne peut apprivoiser” (em tradução livre, “o amor é um pássaro rebelde, que ninguém pode domar”).
Carmen é uma cigana transgressora e sedutora, que se apaixona pelo cabo Don José e o leva a transgredir com ela. Logo depois, Carmen se apaixona pelo toureiro Escamillo, destruindo o coração do cabo, que não suporta perdê-la. Mas “Carmencita” é livre. Ela quer a liberdade a qualquer custo, mesmo que da própria vida.
Na pré-estreia a que tive oportunidade de assistir, em evento beneficente da CIP (Congregação Israelita Paulista), vi um grandioso cenário e uma multidão de artistas em perfeita harmonia, do começo da apresentação até o cair das cortinas, quando então seus gritos misturam êxtase e comemoração pelo trabalho bem realizado. A soprano que dá vida à Carmen é a linda israelense Rinat Shaham. Com muita sensualidade, potência de voz e carisma, ela representa tão bem Carmen que o público sente as angústias, as dores e o amor.
E se algum dia me questionei sobre o gênero da ópera, cogitando que talvez não fosse mais cabível em um mundo em que tudo ficou muito veloz, em que as peças diminuíram a duração, em que tudo é efêmero e acelerado, percebi que a ópera não morrerá nunca. Não enquanto houver obras como Carmen e intérpretes como Rinat Shaham.
Quem conseguir um disputado ingresso, vá. Carmen será apresentada no Theatro Municipal de São Paulo nos dias 29/5 (qui 20h), 31/5 (sáb 20h), 1/6 (dom 18h), 3/6 (ter 20h), 5/6 (qui 20h), 7/6 (sáb 20h), 8/6 (dom 18h), 10/6 (ter 20h), e 11/6 (qua 20h).
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