Por acaso, navalha. Na alma.

Foto divulgação da peça Por acaso, navalha.

É muita paixão e muito desprezo…
Não há coração que possa aguentar…
Tião Carreiro e Pardinho – Navalha na carne.

 Qual a minha relação com as pessoas? E comigo mesma? Do que e de quem eu preciso? Por que me submeto a determinadas situações? Por que, ao invés de cortar os laços, eu cutuco as feridas?

Um amigo disse que eu precisava assistir a uma peça que ele tinha visto. Não gosto de ler sinopses. Gosto do desconhecido. Apesar de suspeitar do que se tratava, pelo nome.

“Por acaso, navalha” é uma releitura da peça teatral “Navalha na Carne”, de Plínio Marcos, sob direção de Fernado Aveiro. Não vou me ater a falar sobre o histórico do texto original e das encenações do mesmo. Com a estreia no dia 03 de maio, a Cia Caxote propôs a ocupação de uma casa, inaugurando um novo espaço artístico em São Paulo, o “Espaço Mínimo”, sede também dos grupos ExCompanhia de Teatro e Via Certa Teatral. A peça, idealizada por Aveiro e pela assistente de direção e produtora geral Camila Biondan, tem como diretora de arte Rosângela Ribeiro e os atores Bárbara Salomé como a prostituta Neusa Sueli, Murilo Inforsato como cafetão Vado, e Humberto Caligari como Veludo, responsável pela limpeza da pensão onde Neusa Sueli vive. Em “um sórdido quarto de hotel de quinta classe”, Neusa Sueli encontra Vado furioso por não encontrar no criado-mudo o dinheiro que ela comumente lhe entrega para sustentar seus vícios. Com medo do amante, a prostituta  acusa Veludo pelo roubo e Vado resolve tirar satisfação com ele – “Chama essa bicha miserável!”.

Eu nem diria que a montagem mexe com o espectador na primeira cena porque, na verdade, isso acontece no momento que se chega ao endereço: o ingresso é pago ainda na calçada e a porta fica entreaberta, sendo possível somente ouvir barulhos e um pouco de luz acaba escapando, despertando a curiosidade. Assim que subi as escadas da casa, fui lavar os óculos no banheiro e, o simples ato não me pareceu comum porque, ao entrar no espaço, eu já me tornei parte daquilo tudo. O cenário é quase uma galeria de arte, onde se pode admirar as obras criadas pela companhia e pelo artista plástico Pedro Farled. Se pesquisar um pouquinho, é possível obter mais informações a respeito do cenário, mas eu prefiro que você também se surpreenda.

As tensões são constantes, acentuadas pelo clima intimista do espaço que, a cada apresentação, recebe somente 20 espectadores. A verdade não é jogada na nossa cara, passa-se no nosso nariz e, como Neusa Sueli, quer nos furar os olhos. Seria tão impactante porque nos deparamos com a realidade de quem julgamos muitas vezes inferiores ou porque nos identificamos com aquele cotidiano? “Por acaso”, são aqueles três personagens que vivem aquelas situações. Mas poderia ser eu. E poderia ser você.

Penso em pessoas que conheço e achariam o texto vulgar. Se isso já pode ser impactante atualmente, imagine quando foi escrito, nos tempos da ditadura. A simples não suavização das expressões nos coloca diante de um grande autor e de uma ousada obra. A peça mais encenada de Plínio Marcos é representada com muita sutileza e força pelo grupo: é o Veludo arrogante, é a Neusa Sueli comovente, e é o Vado que, bem, assista até o final… Domínio e aceitação, confiança e fraqueza, sofrimento e prazer, fragilidade e virilidade. O texto é atemporal e independe de classes. “Duvido que gente de verdade viva assim (…) Isso é uma bosta! Uma bosta!”

Saí da peça enviando mensagens, inclusive ao meu amigo que fez a indicação. Com o mesmo linguajar do texto que, teoricamente, serviria para localizar socialmente qualquer um dos porsonagens, parabenizei a equipe através do e-mail que utilizei para reservar meu ingresso. Usei um palavrão porque era muita energia gerada e precisava ser condensada. Nada mal pra uma segunda-feira. E agora quero um quarto com luzes, como o da Neusa Sueli.

Mais informações de Por acaso, navalha.

Organização: Cia Caxote
Direção: Fernando Aveiro
Datas: de 03/05 a 04/08
Horários: Sáb. às 21h; Dom. às 19h; Seg. às 21h.
Ingressos: R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia, incluindo classe artística!)
Local: Espaço Mínimo. Rua Barão do Bananal, 854 – Vila Pompeia – São Paulo/SP
Fotos: Ronaldo Dimerovic

Informações e reserva de ingressos pelo telefone (11) 98919-2773 ou pelo e-mail contatocaxote@gmail.com

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Evento no Facebook da peça Por acaso, navalha

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Jacqueline Mazzuchelli é Bióloga / Mestre e Doutoranda em Biotecnologia / Atriz / Operadora de Luz / Performer / Mineira e Paulista.

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