O primeiro O Beijo, o segundo O Beijo.

Imagem da Peça O Beijo

No último dia 14, assisti a um espetáculo do 5º Festival de Teatro de São Paulo. O Teatro Fest, que acontece no Teatro União Cultural, começou no dia 12 de agosto e vai até o dia 07 de setembro. Nesta edição de 2014, foram selecionados 13 espetáculos adultos e sete infantis.

“O Beijo”, escrito por Alberto Guiraldelli, dirigido por Lucas de Lucca e representado pela Cia. de Teatro Desempaco, foi o espetáculo que vi e que me trouxe a escrever. Ele conta “a história do beijo através dos tempos”. Fala-se do beijo francês, do beijo de Judas, do beijo da máfia… são diversos quadros curtos, cujo único vínculo entre um e outro é o próprio beijo.

Embora poucas vezes encenada, tive a oportunidade de assistir a essa mesma peça no final de 2013, apresentada praticamente pelos mesmos integrantes do Desempaco, mas ainda em palcos de um teatro escola da Barra Funda. E faço uma confissão: da primeira vez que vi a peça, não gostei, salvo por momentos. Não sabia explicar do que exatamente não havia gostado. Eu tinha presenciado atuações interessantes, uma boa técnica, mas algo não havia me agradado.

Não se trata de uma peça erudita, é fato. Mas procuro pensar que o teatro, por essência e na maior parte do tempo, tenha sempre sido e ainda seja popular. Além do mais, há de se entender que, no mundo, há tantos gostos quanto pessoas a gostar, e os gostos devem ser respeitados e entendidos. Já dizia Fernando Pessoa que “um dia de chuva é tão belo quanto um dia de sol, ambos existem, cada um como é”. Temos que respeitar o gosto do sol e o gosto da chuva, e saber que em ambos existe a beleza.

Como muitos haviam gostado da peça, talvez a beleza estivesse ali e o problema fosse comigo. Passado um tempo de reflexão, consegui identificar algumas razões que podem ter determinado meu sentimento “à primeira vista”, e tudo ficou mais claro.

Meu primeiro e meu segundo O Beijo

Em primeiro lugar, eu vinha de um processo muito difícil dentro do teatro e acreditava apenas na densidão dos projetos e das vivências teatrais. O Beijo é leve, é divertido e, apesar de algumas cenas mais picantes, chega a ser tenro e delicado. Em segundo lugar, eu culpava o teatro por terminar um relacionamento, sem saber que, na verdade, foi um mal fadado relacionamento que quase me afastou do teatro (convenhamos que, quem não gosta de teatro, assim como de samba, bom sujeito não é). Era natural que pouca coisa me agradasse na época.

Inegavelmente, temos nossa percepção externa influenciada pela nossa condição interna momentânea, seja ela física, psíquica, amorosa ou da natureza que for. Uma mesma pintura a óleo pode nos parecer linda em um dia e horrível no outro – estejamos nós influenciados pelo pesar ou pelo contentamento da pessoa amada (parafraseando, pobremente, Vinícius de Morais). Uma mesma peça também pode nos causar diferentes impressões a depender do dia em que a vemos, tenhamos nós dormido bem ou passado a noite acordados com o barulho do bar na frente da janela do quarto.

Hoje percebo que minhas condições internas influenciaram meu “primeiro Beijo” naquele final de 2013.  Merecem, sobretudo, especial respeito e admiração os trabalhos artísticos legítimos, assim entendidos aqueles que são feitos com dedicação, amor e verdade – assim foi o segundo “Beijo”. E foi gostoso. Algumas cenas, como a da estátua e das princesas, são simplesmente hilárias e os atores estão muito afiados. Aliás, registre-se: a Cia. Desempaco está em nítida evolução; eu ficaria feliz em ver novas peças desse jovem grupo.  Recebendo ou não o prêmio Arlequim, uma temporada do O Beijo é merecida.

O Ator Criador estará presente em tantos espetáculos quanto possível desse festival, e recomenda a todos que prestigiem essa bela inciativa.

Leo Bianco
Leo Bianco é advogado e ator amador. É idealizador e editor do site Ator Criador.

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