Melodrama da meia-noite

MELODRAMA | ATOR CRIADOR

MELODRAMA NO SUBÚRBIO CARIOCA

Está em cartaz no Teatro Miguel Falabella, no Norte Shopping (Rio de Janeiro), o espetáculo de improvisação “Melodrama da Meia Noite”, com direção de Paulo Merísio e a Cia. Melodramática do Rio de Janeiro. Participei de oficinas e de alguns espetáculos com eles, quando o diretor começou a oferecer a disciplina deste gênero na graduação da Escola de Artes Cênicas da Uni-Rio em 2010. O processo de aprendizagem do estilo melodramático é tecnicamente muito enriquecedor para o ator, além de ser extremamente divertido, tanto para quem faz quanto para quem assiste. Vide o sucesso de público que a companhia vem alcançando nas suas apresentações nos últimos anos.

DETETIVE E ASSASSINO

A apresentação é ambientada numa remota e fantasiosa Paris do século XIX. O jogo parte do estabelecimento de uma rigorosa (e cômica) relação hierárquica entre o grupo de atores e o diretor, que assume, em cena, a figura do Monsieur (cavalheiro em francês, uma espécie de mestre ou dono da companhia teatral). Como em uma brincadeira de “o mestre mandou”, o Monsieur ordena uma série de ações físicas simples para o elenco, que deve obedecê-lo com precisão. Caso um ator/jogador se distraia e cometa algum erro, o mesmo deverá pedir, melodramaticamente, perdão ao público, que, por sua vez, também assume uma importante função dramatúrgica no espetáculo: o “povo de Paris”. Caso o “povo” não perdoe o erro do ator, este será punido simbólica e exemplarmente pelo Monsieur. Este aquecimento proporciona uma série de momentos engraçados. Em seguida, esta dinâmica é incrementada com o tradicional jogo do “detetive e assassino”, também conduzido pelo diretor/Monsieur, de onde começam a surgir os personagens e as intrigas que servirão de base para o roteiro improvisado.

A cada sessão, os jogadores assumem personagens melodramáticos novos e diferentes e, assim, através das ordens, erros, acusações, pedidos de perdão, punições, revelações, mortes e assassinatos, vai se improvisando uma nova dramaturgia. Cada exibição é dividida em duas histórias longas e independentes. O grupo procura criar enredos estruturados e completos, com início, meio e fim. Aqui reside a maior dificuldade, pois as tramas são bastante complexas e nem sempre é possível estabelecer uma dramaturgia tão consistente. Contudo, por mais simplória que seja a estrutura dramática, o que arrebata mesmo o público são os arroubos melodramáticos do elenco: Juliana Aquino, Gloria Diniz, Virgínia Castellões, Leonardo Vasconcelos, Marcio Antunes, Wesley May e atores convidados. Os figurinos são estilosas roupas de época que têm como mote “pessoas pobres de Paris”. De acordo com o andamento das cenas, a trupe vai se “montando” com inúmeros adereços e objetos, como chapéus, lenços, pistolas e bebês que poderão ser encontrados pelas “ruas da Cidade Luz”. O palco fica livre para o jogo cênico, sem cenários. Luz e trilha sonora são improvisadas juntamente com as ações dos personagens, criando-se climas de mistério, suspense ou de grandes paixões.

IMPRO

O público carioca já está um pouco mais familiarizado com espetáculos de improvisação com jogos curtos, diretamente voltados para o humor, de grupos como Z.É. (Zenas Emprovisadas), concebido por Fernando Caruso, onde foram revelados atores como Marcelo Adnet e Gregório Duvivier, ou Os Avacalhados, que projetou a atriz Tatá Werneck, além dos atores Diego Becker, Rafael Infante e Fabio Nunes. Temos também, como forte referência de improvisação na cidade, o grupo Teatro do Nada, que vem pesquisando, desde 2003, formatos com mais fôlego, que vão além das cenas curtas destinadas ao efeito cômico. No belo espetáculo “Segredos”, por exemplo, a companhia cria cenas longas, com enredos complexos e bem estruturados, a partir dos segredos revelados pelo público anonimamente em papeizinhos depositados numa urna antes de cada apresentação.

Os espetáculos de improviso já se tornaram uma mania na cidade, com inúmeros grupos menos conhecidos e uma legião de fãs. A sede da Cia de Teatro Contemporâneo é um centro importante de treinamento e atividades do gênero, com diversos cursos, mostras e campeonatos regulares de “impro”. Creio que o espetáculo melodramático que está agora em cartaz, ainda não foi devidamente descoberto pelos amantes da arte do improviso na cidade. Espero que este texto ajude a aproximar estas diferentes vertentes de improvisação, para que possa haver um maior intercâmbio entre elas.

REVOLUÇÃO FRANCESA

O jogo melodramático em questão, tem como base o profundo estudo desenvolvido pelo diretor e Professor Paulo Merísio no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Uni-Rio. A pesquisa tem como fonte principal o Melodrama Clássico francês, que é tido como o principal representante estético da Revolução Francesa, que teve início no final do século XVIII. Em linhas gerais, o melodrama francês levou para os teatros oficiais um tipo de atração popular que anteriormente só tinha lugar nas ruas e praças francesas. O povo ganhou espaço nas salas de teatro. As peças melodramáticas apresentavam a opressão do poder sobre o homem simples, que sofria até os limites das suas forças para, no final, irremediavelmente, virar o jogo e sair vencedor. Estas típicas viradas, levavam ao delírio o verdadeiro povo de Paris, que participava das apresentações como em uma partida de futebol. Este tipo de espetáculo, naturalmente, era muito mais atraente do que os monótonos e distantes clássicos franceses como os de Racine e Corneille.

MELODRAMA NO SÉCULO XXI

E qual será o valor deste tipo de dramaturgia nos dias de hoje? Além do resgate histórico, esta estética teatral parece atrair bastante o público carioca. Cada vez mais isolado do ato cênico, que fica fechado na tradicional caixa preta dos palcos italianos, ou mesmo nas telas de TV ou de cinema, o público é reintegrado pelo jogo melodramático, que o convida a fazer parte do espetáculo e a influenciar decisivamente os seus desdobramentos dramatúrgicos. Na apresentação da Cia Melodramática do Rio de Janeiro, por exemplo, além de condenar ou absolver os personagens, o público ainda pode jogar bolinhas de meia nas cenas que não gostar ou jogar moedas no palco quando ficar encantado.

Do ponto de vista do ator, a experiência melodramática enriquece enormemente o seu trabalho. Ao representar os arquétipos clássicos como a mocinha, o vilão, o ingênuo, o galã e etc., o ator é desafiado a potencializar o seu trabalho vocal e corporal. Afinal, este estilo de representação demanda uma atuação grandiloquente, sem deixar de ser convincente e autêntica. Além disso, todas as ações dramáticas são assumidamente direcionadas para atrair e seduzir a plateia. Vale ressaltar ainda que a herança melodramática está indubitavelmente presente, em maior ou menor grau, em diversos gêneros que consumimos nos dias de hoje, como nas novelas, em autores como Nelson Rodrigues ou cineastas como Pedro Almodóvar.

Portanto, não perca tempo. Separe as suas moedas, faça as suas bolinhas de meia e junte-se ao “povo de Paris”. Vá torcer pelo bem contra o mal em cenas jamais vistas nos palcos de todo o mundo. Revelações bombásticas, intrigas, paixões à primeira vista, viradas de mesa surpreendentes… tudo isso está presente no Teatro Miguel Falabella, terças e quartas às 18:00h, apenas até o final de julho. Saia do marasmo e deixe o melodrama arrebatar você!

Revisão de texto: Amanda Leal.

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Eduardo Katz
Eduardo Katz é ator formado na Uni-Rio, defendeu título de Mestre com pesquisa sobre trabalho autoral do ator Pedro Cardoso. Já trabalhou em teatro com os diretores Amir Haddad, Michel Bercovitch, Moacir Chaves e Wolf Maya; em cinema com José Wilker, Ruy Guerra e Marcos Prado. Participou como ator em programas e comerciais de TV, com destaque para o personagem "Zingo" na série de humor "Adorável Psicose" no canal MultiShow. Trabalhou também como arte-educador no Museu da Vida da Fiocruz e no Museu da Casa do Pontal. Leciona o teatro no Colégio Santo Agostinho no Rio de Janeiro.

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