Impressões sobre Aula Magna com Stalin

Aula Magna com Stalin |Ator Criador | Foto Roberto Setton

A cena teatral de São Paulo passa por uma fase em que os espectadores podem assistir a bons espetáculo com temática política, e isso é muito bom. O lugar da política é também o palco, pois teatro é política, como tão bem nos ensinaram Piscator, Brecht e Boal.

Entre as peças em cartaz que se enquadram neste viés está “Aula Magna com Stalin”, com texto de David Pownall e direção de William Pereira. Este espetáculo tem na sua superfície o tema da censura aos músicos e compositores Prokofiev e Shostakovich por parte do ditador russo Stalin. Mas esta é a superfície do texto, já que que as suas entrelinhas podem nos revelar a visão que alguns detentores do poder têm sobre a arte e a relação que certos artistas tem com políticos que lhes facilitam o caminho para o sucesso.

Artistas podem e devem tomar um posicionamento político sobre os mais variados assuntos e fazer diferentes experimentos estéticos. O poder de alcance dos “operários da arte” é imensurável e os políticos sabem do perigo que correm quando os tem como opositores. Por isso a censura é uma arma utilizada por alguns governos (as vezes sutilmente) para neutralizá-los. Até mesmo editais podem disfarçar a manipulação governamental.

Engana-se quem pensa que Stalin foi um dos poucos a querer adestrar artistas. A lista de líderes censores é longa e abarca vários espectros ideológicos. Aqui no Brasil a censura começou de forma institucionalizada com Vargas e o seu Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP – ainda nos anos 1930. Durante a nossa última Ditadura Civil-Militar, os artistas que não concordaram com os rumos do Brasil foram censurados e alguns pagaram com a própria vida por desafiar o poder ditatorial daqueles anos.

“Aula Magna com Stalin” mostra como aquele mandatário russo acredita ter o poder de sufocar a liberdade criativa de Prokofiev e Shostakovich. E Stalin, todos sabem, não negociava. A Sibéria era o destino para os que discordassem dele. Podia alçar alguém à glória ou fazer com que fosse esquecido na antiga União Soviética com apenas uma ordem.

Prokofiev e Shostakovich, como muitos artistas, desejam o reconhecimento público e sabem que sem a benção do ditador, isso será impossível. Ainda ensaiam uma tímida discordância das críticas de Stalin às suas composições, mas sabem que a obediência naquele momento é o caminho mais acertado para que suas carreiras, e quem sabe as suas vidas, sejam salvas.

O espetáculo poderia ter aproveitado melhor o cenário com os nomes de vários artistas como forma de mostrar o poder destruidor e sufocante que o poder político tem sobre os artistas em alguns momentos históricos. O destaque na atuação fica com Calos Palma e a sua construção de um personagem que, como um músico renomado internacionalmente, sabe o talento que possui e ao mesmo tempo precisa bajular o ditador russo.

“Aula Magna com Stalin” serve para nos relembrar o que acontece quando as ditaduras se instalam e decidem o que é certo ou errada na vida da nação. Ditadores nunca aprendem que eles passam e a arte é eterna, mas não precisamos deles para aprender esta verdade

Texto: David Pownall
Direção, Tradução, Cenografia e Trilha Sonora: William Pereira
Elenco: Jairo Mattos, Luis Damasceno, Carlos Palma e Felipe Folgosi
Quando: Quarta a Sexta às 20hs (Até 03 de julho)
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil – Rua Álvaro Penteado, 112.
Quanto: 10 Reais

As Impressões publicadas nesta seção representam as opiniões dos respectivos autores, não do Ator Criador. Este é um espaço voltado ao livre pensamento e à liberdade de expressão.

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Flávio José Rocha trabalha com Teatro do Oprimido desde de 2005 e é um apaixonado por todas as formas do fazer teatral. É também doutorando em Ciências Sociais na PUC-SP e pesquisa temas relacionados à questão socioambiental.

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